Marcone era homem de
meia-idade e de grande cultura geral, produto de uma educação esmerada em
colégios de qualidade inequívoca, sob o alicerce fraternal de sua família. Além
de engenheiro, dedicava-se a estudar a doutrina espírita kardecista com empenho
sem-igual, a fim de estar sempre preparado a orientar os freqüentadores de um
centro espírita, no qual exercia o cargo de presidente e principal palestrante.
Lapidado em conceitos
ortodoxos que, ao invés de abrir-lhe os horizontes da Espiritualidade, mais o
faziam mergulhar em um dogmatismo desenfreado, Marcone, durante as palestras
que ministrava, quando indagado sobre questões pertinentes à Umbanda,
utilizava-se quase sempre de expressões depreciativas, asseverando que tal
religião era constituída de espíritos e práticas atrasados, e que pouco ou nada
contribuíam para auxiliar os doentes do corpo e do espírito.
Sua vida transcorria
normal, com a habitualidade de sempre, alternando-se entre o trabalho, o
convívio social e as reuniões espíritas.
Certa ocasião, Carlos,
seu filho de 10 anos, foi acometido de estado febril, acompanhado de pequenas
convulsões. Preocupado, buscou auxílio médico, sem, no entanto, lograr êxito.
Análises laboratoriais não apontavam qualquer tipo de infecção, bem como nada
havia sido detectado nos exames cardiológicos e neurológicos.
Não deixando a
medicina de lado, Marcone, como dirigente que era, passou a levar seu filho às
sessões espíritas, na expectativa de que os amigos espirituais ajudassem na
cura do bom filho.
Em determinada
sessão, durante a leitura de nomes para irradiação, em cuja relação incluía-se
o de seu filho, presente ali e muito debilitado, Marcone foi surpreendido pela
incorporação de um espírito em um médium integrante da mesa. Como na casa
espírita que dirigia não havia incorporações, mas tão somente mensagens
psicografadas e inspirações espirituais, o engenheiro prontamente se aproximou
do médium manifestado, reprimindo-o energicamente por alterar a linha de
trabalho do centro.
No momento em que
Marcone admoestava o médium em transe, o espírito que a este se acoplara,
apresentou-se, dando boa noite aos presentes. Disse que fora enviado àquele
recinto para solucionar problema de ordem espiritual delicado que afligia certa
pessoa da assistência, direcionando seu olhar para o menino Carlos. O
dirigente, observando o comportamento diferente daquela individualidade
espiritual, num misto de insegurança e arrogância, inquiriu o espírito sobre
sua procedência e nome. O amigo espiritual, fitando fixamente Marcone,
disse-lhe que realizava trabalhos em outra corrente religiosa, declinando seu
nome, que aqui trataremos apenas como Exu "A".
Ante a identificação,
o pai de Carlos, tomado de profundo preconceito, ordenou àquele espírito que
reputava como sem-luz, que se retirasse e procurasse a evolução que Marcone
supunha que ele, o espírito, necessitasse. Ante os apelos contundentes, o
espírito aceitou retirar-se, dizendo, antes de partir, que o enfermo a curar
carecia de cuidados urgentes, sob pena do quadro tornar-se irreversível.
Após a partida do
espírito Exu "A", o diretor Marcone criticou severamente o médium que
tinha dado campo de atuação àquele espírito, exigindo maior atenção dali em
diante.
Os dias passam e,
apesar dos passes e água fluidificada ministrados em Carlos, o garoto jazia num
permanente estado febril e periódicas convulsões, acrescido agora de ostensiva
anemia, deixando-o num estado mental depressivo. Marcone já não sabia a quem
recorrer, pois experimentara até a desobsessão, sem resultado algum.
Desesperado com a patologia
de Carlos, Marcone, numa atitude desesperada de pai, resolveu buscar auxílio no
primeiro lugar que encontrasse, fosse o que fosse. Saiu a perambular pela rua,
entrando em quase todas as vias de seu bairro. Nada. Alcançou os limites de
outro bairro. Nada.
Já desanimado e sem
ter com quem contar, Marcone tomou o caminho do lar. Entrando em pequena viela
que lhe facilitaria encurtar a distância, ao passar por uma pequena casa, ainda
com tijolos à mostra, o pai aflito identificou o som que parecia ser de
tambores. Sob a inspiração de seus guias, perguntou a um senhor de cabelos e
vestimenta brancos que ali estava, o que funcionava naquele local. Foi
informado, então, que se tratava de um Templo de Umbanda.
O engenheiro Marcone,
constrangido, explicou à pessoa parada no portão que tinha, na família, pessoa
que passava por sérios problemas de saúde, necessitando atendimento.
Respondeu-lhe o humilde senhor que ele, Marcone, poderia trazer o doente, se
quisesse, ainda naquele dia, pois a sessão estava em seu início.
Marcone pôs-se em
fuga alucinada para a sua residência. Enrolou o filho em um lençol e, em
companhia de sua esposa, rumou de carro para aquele endereço.
Retornando à Casa
Umbandista, foi levado, juntamente com Carlos e Leila, sua mulher, ao salão de
trabalhos espirituais.
Incomodado com o
barulho dos instrumentos de percussão, porém esperançoso na cura de seu filho,
Marcone orou incessantemente, pedindo auxílio diante da situação. Comandava as
atividades o Caboclo que aqui chamaremos apenas de "Z". A certa
altura da gira, esta entidade aproximou-se do casal e disse-lhes que iria
atendê-los após o encerramento dos trabalhos que se realizavam, momento em que
direcionou um olhar de amor para Carlos.
Duas horas se
passaram até que a Entidade-Chefe desse por terminado o trabalho, solicitando a
seu cambone que esvaziasse o terreiro. Estando agora somente o Caboclo
"Z", seu cambone, Marcone e sua família, o espírito solicitou ao
engenheiro que levasse Carlos para as dependências externas da Casa e o
deitasse num pequeno espaço de terra batida existente. Advertido pelo Caboclo
"Z" de que o êxito dos trabalhos a realizar dependeria também de sua
fé e amor, Marcone, inquieto, via-se diante de situação que a doutrina de
Kardec jamais o elucidara. O Caboclo "Z" disse-lhe ainda que o
trabalho de cura ficaria a cargo de um outro amigo espiritual, devido o
problema presente estar diretamente ligado à sua área de atuação.
Marcone, pensativo,
limitava-se a ouvir aquela entidade simplória, porém iluminada, dizendo-lhe esta
que se afastaria do médium, mas estaria presente,auxiliando no que fosse
necessário. Ato contínuo, o médium do Caboclo-Chefe foi tomado por uma outra
entidade espiritual, que passou a cumprimentar os presentes. Marcone, sob forte
vibração, notou que conhecia aquele olhar fixo. O tom de voz (psicofonia) não
lhe era estranho. Não ousou questionar o espírito, que, de forma vigorosa, dava
instruções ao cambone sobre como proceder.
Após os preparativos,
o amigo espiritual expôs resumidamente a Marcone que o pequeno Carlos achava-se
em processo de obsessão, infligido por alguns desafetos do passado, e que o
caso solicitava o concurso de medidas extremas para tal dissipação. Marcone
encorajado a esclarecer-se sobre o fato, afirmou ao espírito que era dirigente
de um centro kardecista e que lá havia sessões de desobsessão, consultando-o
sobre a possibilidade do drama de seu filho lá ser resolvido. O companheiro de
Aruanda explicou-lhe que, devido ao atual estágio obsessivo de Carlos, a
doutrinação dos desencarnados que o assediavam só surtiria efeito após a
realização daquele trabalho.
Feitos os
preparativos, a entidade atuante ordenou ao cambone que fizesse, na terra, um
círculo que envolvesse Carlos e que colocasse, sobre seu traçado, material de
grande fundamento dentro da Umbanda. Orientou os presentes para que guardassem
distância e que orassem de olhos fechados. Estando todos a postos, a entidade
que capitaneava o ritual ordenou ao cambone que "puxasse" uma curimba
de atração e condensação de forças positivas, repetindo-a por três vezes.
Depois foi cantado um ponto de ação repulsora, momento em que o amigo do astral
superior acionou a ignição do material no círculo mágico depositado.
Grande deslocamento
de ar ocorreu, ao mesmo tempo em que se expandiam partículas de alto poder de
corrosão. Ato contínuo, Carlos, então em estado torpe, foi acometido de grande
agitação, que durou segundos, voltando depois ao estado de inércia inicial.
Imediatamente, o espírito que comandava os trabalhos ordenou aos guardiões
auxiliares que imobilizassem os obsessores (eram dois), e os encaminhassem à
detenção astral, até segunda ordem.
Marcone, assustado
com o cenário que até então desconhecia, notou, com velada satisfação, que
Carlos abrira os olhos com brilho há muito não visto. Levantando-se do chão
ainda debilitado pelo vampirismo dos obsessores, perguntou ao pai que lugar era
aquele e o que tinha acontecido. Aproximando-se da família, o espírito
benfeitor expôs que o perigo passara e que, embora naquele local se efetuassem
trabalhos de doutrinação, ele, Marcone, mediante ordens superiores, poderia
ministrar o devido esclarecimento àqueles espíritos detidos, em sua casa
espírita.
Visível felicidade
cobria a face de Marcone e Leila, que observavam substancial melhora do filho.
Distraindo-se em afagar Carlos, Marcone não percebeu que o espírito trabalhador
já se afastara do médium. Não teve a oportunidade de agradecer e nem saber seu
nome.
Perguntou ao
dirigente daquele Núcleo Umbandista sobre quem era aquele espírito, no que foi
respondido, em tom fraternal, o que importava naquele momento, era o bem-estar
de Carlos.
Os dias correram e,
com eles, a febre alta, a anemia e as convulsões. Carlos, o filho querido, já
tinha vida normal e sequer demonstrava resíduos da patologia espiritual que o
afligira. Marcone solicitou aos espíritos superiores que lhe dessem a
oportunidade de receber em sua casa espírita aquelas entidades que outrora
obsediavam seu filho. Foi atendido, fazendo valoroso trabalho de conscientização
e regeneração junto aos ex-obsessores.
Durante uma sessão de
estudos, em que todos os presentes se voltavam a esmiuçar as obras kardecistas,
uma suave briza de fragrância agradável fez vibrar positivamente todo o
ambiente. Marcone então teve suas atenções voltadas para um médium da mesa,
cuja fisionomia denotava profunda mudança. O médium, agora incorporado por um
espírito, saldou a todos, conclamando-os a seguirem os ensinos de Jesus.
O dirigente Marcone,
sob forte emoção, identificou de pronto aquela entidade. Sabia agora que era a
mesma que se manifestara pela primeira vez naquele recinto para ajudar Carlos,
e que fora injustamente convidada a se retirar. Tinha consciência também que
era o mesmo espírito que havia curado seu filho no Templo Umbandista.
Num incontido choro,
aproximou-se daquele espírito pedindo perdão pelo preconceito e discriminação
que o fizera passar.
A entidade espiritual
Exu "A" envolveu Marcone em cristalinas ondas de luz, pedindo mais
compreensão e menos radicalismo.
Proferiu, ao
dirigente espírita palavras de conforto e entusiasmo para as atividades
espirituais. O engenheiro Marcone, percebendo que a entidade espiritual já se
despedia dos presentes, num gesto de humildade e simplicidade, virtudes que
permeiam os grandes de coração, fraternalmente disse ao espírito do Bem:
"Obrigado, amigo
Exu!" Um Exu de Lei e verdade...
(Autor Desconhecido)
- Do Portal Guardiões
da Luz
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